Lutando contra o patriarcado, um avô de cada vez.

Sabrina Falcão
4 min readSep 16, 2022

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Tradução do texto de Lisa Norgren

Imagem Freepick

Um homem adulto se aproxima atrás da minha filha de três anos. Ocasionalmente, ele a cutuca ou faz cócegas e ela responde se encolhendo. Cada vez menor a cada avanço indesejado. Imaginei-a tentando escorregar da cadeirinha e deslizar para debaixo da mesa. Quando minha mãe vê essa cena, ela vê uma provocação brincalhona. Um avô se envolvendo com sua neta.

“Mae.” Meu tom corta o barulho de uma reunião familiar. Ela não olha para mim.
“Mae.” Eu começo de novo. “Você pode dizer a ele que não, Mae. Se não estiver tudo bem, você pode dizer algo como, vovô, por favor, pare — preciso de espaço para o meu corpo.

Enquanto digo as palavras, meu padrasto, o buldogue, se inclina um pouco mais perto, pairando logo acima da cabeça dela. Seu sorriso tenebroso me provoca enquanto minha filha ajeita seu corpo de 13 quilos na esperança de escapar de suas cócegas e hálito quente. Repito com um pouco mais de força. Ela finalmente olha para mim. “Mamãe. . . você pode dizer isso?” Surpresa. Uma menina de três anos não se sente à vontade para se defender de um homem adulto. Um homem que afirma que a ama e que cuida dela de vez em quando, e ainda assim, está aqui mostrando zero preocupação com os desejos dela sobre seu próprio espaço pessoal. Eu me preparo para a batalha.

“Vovô! Por favor, se afaste! Mae gostaria de um pouco de espaço para o corpo dela.”

Minha voz é firme, mas alegre. Ele não se move.

“Vovô. Eu não deveria ter que pedir duas vezes. Por favor, se afaste. Mae está desconfortável.”

“Ah, relaxe”, diz ele, despenteando seu cabelo ralo. O patriarcado está de pé, sendo condescendente comigo na minha maldita cozinha. “Estamos apenas brincando”. Seu sotaque sulista não me encanta. “Não. Você está brincando. Ela não está. Ela deixou claro que gostaria de um pouco de espaço, agora, por favor, se afaste.” “Eu posso brincar como eu quiser com ela.” Ele diz, endireitando sua postura. Meu peito aperta. Os pelos descoloridos do sol em meus braços ficam eriçados quando este homem, que tem sido minha figura paterna por mais de três décadas, entra no ringue de batalha. “Não. Não, você não pode brincar como quiser com ela. Não está certo ‘se divertir’ com alguém que não quer brincar.” Ele abre a boca para responder, mas minha raiva é palpável através da minha resposta medida. Gostaria de saber se minha filha pode sentir isso. Espero que ela possa.

Ele se retira para a sala e minha filha olha para mim. Seus olhos, uma explosão de estrelas, brilham de admiração por sua mãe. O dragão foi derrotado (por enquanto). Minha própria mãe está em silêncio. Ela se recusa a fazer contato visual comigo.

Esta é a mesma mulher que não me acolheu quando eu contei a ela sobre uma agressão sexual que eu havia reconhecido recentemente. Esta é a mesma mulher que foi sequestrada por um carro cheio de estranhos enquanto voltava para casa uma noite, que lutou e gritou até que a jogaram pra fora. Acelerando, eles atropelaram seu tornozelo e a deixaram com uma vida inteira de dor física e emocional. Esta é a mesma mulher que não disse nada, que não podia dizer nada enquanto seu chefe e seus amigos a assediavam sexualmente por anos. Esta é a mesma mulher que se casou com um desses amigos.

Quando minha mãe vê essa cena, ela vê sua filha exagerando. Ela me vê “fazendo um grande escândalo por nada”. Suas preocupações estão mais em manter o status quo e embalar o ego tóxico do meu padrasto do que em proteger a criança de três anos encolhida na frente dela. Quando vejo esta cena, me sinto ao mesmo tempo encorajada e consternada. Minha própria força e recusa em ficar calada é o resultado de centenas, provavelmente milhares de anos de mulheres sendo maltratadas e tendo seus protestos ignorados. É o resultado de ver minha própria mãe sofrer silenciosamente nas mãos de muitos homens. É o resultado das vezes em que fui maltratada e meu voto solene de ser parte do fim deste ciclo.

Seria tão fácil ver uma garotinha sendo ensinada que seus desejos não importam. Que o corpo dela não é dela. Que até as pessoas que ela ama vão maltratá-la e ignorá-la. E que tudo isso está “bem” em nome de outras pessoas, homens, se divertindo.

Mas. O que vejo em vez disso é uma garotinha observando sua mãe. Eu vejo uma garotinha aprendendo que sua voz importa. Que seus desejos importam. Eu vejo uma garotinha aprendendo que é permitido e esperado que ela diga não. Eu a vejo aprendendo que isso não está bem.
Espero que minha mãe esteja aprendendo alguma coisa também.

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